quinta-feira, 1 de julho de 2010

A procura


A PROCURA




E
ra fevereiro, mais ou menos duas horas da tarde. O sol estava alto no céu e o calor da cidade naqueles dias estava insuportável. Precisando respirar um pouco, o porteiro do prédio desceu de sua guarita e ficou olhando a rua que se estendia muito longa como um tapete fervilhando ao sol. Neste momento, ele reparara em duas mocinhas que caminhavam a passos lentos como se estivessem assustadas. Seus trajes eram simples e a maneira de andar olhando para os lados e para cima como a admirar os enormes arranha-céus, denunciavam que não eram meninas acostumadas à cidade grande.
O porteiro tinha razão.
Fazia pouco tempo que elas moravam naquela cidade. Haviam chegado do interior no começo do ano. O porteiro não sabia, mas naquela tarde, as meninas receberam ordens da mãe de procurar escola para si e para todos os outros irmãos. A família era enorme e a mãe muito ocupada com os afazeres da casa não tinha tempo para este tipo de atividade. Como já eram moçinhas, a mãe as incubiu desta tarefa.
O calor era intenso. Elas já haviam andado em todo o bairro e não encontraram nenhuma escola. Do seu posto de observação, o porteiro percebia que elas se sentiam inseguras, caminhavam lentas e apreensivas como se tudo aquilo que vissem fosse realmente novo para elas.
Naquele dia já haviam percorrido várias ruas do bairro à procura de escola. Estavam novamente caminhando mais uma vez pelos arredores quando de repente, pararam em frente a um grande portão e avistaram um enorme pátio cheio de grandes árvores que naquele dia quente e abafado não conseguiam nem balançar suas enormes folhagens. Avistaram também neste pátio alguns brinquedos como escorrego, carrossel, balanços de madeira e outras coisas mais que sempre existem nas escolas. Isto as alegrou enormemente, pois já estavam bastante cansadas. Imediatamente os seus rostos antes apreensivos tornaram-se mais animados, pois finalmente parecia que alcançariam seu objetivo.
O homem do prédio percebeu que imediatamente elas tentaram abrir o portão já bastante velho e um pouco enferrujado. Não conseguiram seu intento. Bateram palmas, chamaram, gritaram, mas não foram ouvidas, uma vez que a enorme casa que parecia ser a escola ficava bem ao fundo do pátio. Tentaram abrir o portão novamente. Não conseguiram da primeira vez. Após algum esforço, na segunda tentativa, as correntes enferrujadas cederam e elas conseguiram entrar no pátio.
Logo que entraram a apreensão tomou conta delas novamente, pois perceberam movimento de pessoas ao fundo. Não tiveram coragem de se aproximar de imediato. Ao fazer um reconhecimento superficial do local o olhar delas começou a perceber os movimentos estranhos das pessoas que se encontravam no parque.
De longe não conseguiam definir se eram crianças, adultos ou jovens. No entanto percebiam que eles não apresentavam muito equilíbrio no andar.
Quanto mais elas iam se aproximando para tomar informações mais percebiam as atitudes estranhas das pessoas que se encontravam no parque. Aquilo começou a preocupar a irmã mais velha que imediatamente pegou na mão da mais nova e começaram a caminhar mais para perto.
Neste momento um dos jovens que tinha um rosto esquisito e um defeito nos pés e nas mãos começou a se aproximar delas duas.
Foi aí que a irmã mais velha caiu em si e compreendeu tudo.
Como estava morrendo de medo, agarrou a mão da mais nova com mais força, deu meia volta e saíram as duas em disparada fazendo o caminho de volta para a saída do pátio com muitos dos jovens da “escola” - no seu correr desajeitado - em seus encalços. A irmã mais nova não compreendia o seu desespero, mas a acompanhava em sua correria desabalada.
O portão não abriu.
De sua guarita, o porteiro não entendia aquele desespero. As meninas que momentos antes pareciam tão calmas, agora corriam desabaladamente mostrando nos rostos um extremo pavor. No entanto, de repente ele entendeu tudo.
E era tarde demais.
Naquele triste começo de uma tarde quente e sufocante, seus olhos foram as únicas testemunhas daquele ato insano. Daquela atrocidade.
As meninas jaziam ensanguentadas na entrada do portão.